quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Ao Meu avô



Seu nome era Vicente...
Mas poucos sabiam seu nome de batismo, aos estranhos e chegados era Nico, um senhor singelo, magrelo e calmo, não era capaz de arrumar uma briga, agredir uma mosca, seu único crime era beber demais, sorrir demais e cair de vez em quando. Me lembro bem do seus trejeitos, tomava café com o dedo mindinho levantado, andava vagaroso como se a vida acontecesse bem mais lenta em sua realidade pararela (Metaverso do vô Nico).


Carregava no bolso da camisa um pente pequeno, tinha o hábito diário de pentear os ralos cabelos antes de cada refeição, hábito esse que virou brincadeira das netas... Eu e minha irmã na época fazíamos penteados incríveis na cabeça do vovô, seu cabelo oleoso permitia muitas esculturas capilares, estilo gótico e contemporâneo, ele permitia, ria e depois arrumava como de costume. Sentava lentamente no sofá, pois nos últimos anos sua noção espacial já estava bem limitada pela idade e pela “marvada pinga”.


Seu radinho de pilha ( Já usado na energia) tocava as modas de viola da sua infância, aos domingos ele não perdia um programa da Inesita Barroso, saudoso, frequentava vez em quando o conhecido forró do Áureo Preto, minha vó desaprovava, era ela que tocava a casa, ele não dirigia, não trabalhava, era parceiro de pescaria, mas só ela pescava, ele bebia...


Seu cheiro era um misto de cana de açúcar alcoólica, sabonete e fumo. Quando eu chegava, menina, criança pequena ele já me cumprimentava: olha a Janaia “Corta Páia”, esse meu apelido (que só ele usava) era justamente uma homenagem pelo o hábito que ele conservava: o de fazer seus cigarros de palha e fumar contemplando o universo.


Sempre vou lembrar dos seus dedos amarelos pelo tabaco, do seu canivete pica fumo que com o tempo foi aposentado e se tornou herança que mantenho guardado, a idade tirou a agilidade das suas mãos para cortar o fumo de corda, mas ainda assim ele cultivou o Juriti terapêutico, meditativo até seus últimos dias.

Vô Nico, único em sua tranquilidade, italiano por hereditariedade, partiu como um sopro, mas ao contrário dos outros, não partiu em paz, ele SEMPRE viveu em paz, na serenidade do seu próprio ócio, deixou saudade em seus próximos, deixou sorrisos até nos distantes.


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